Archive for outubro, 2010

A coisa melhor que tem (Weslian mix)

Para aproveitarA coisa melhor que tem em Brasília é feriado prolongado. Com as grandes avenidas vazias, a cidade parece fazer mais sentido, destacando os espaços monumentais dos recônditos em que as ações cotidianas se desenrolam. Dá quase para achar que, não fossem as pessoas empenhadas em “defender toda aquela corrupção” e garantir que “não vai ter só desemprego”, a vida aqui poderia ser normal. Avanços em questões específicas, como levar o metrô a cidades que não existem, seriam bem-vindos. Mas tudo vai ter o seu dia e o seu lugar, na hora certa, com muito amor e com muito carinho – e uma assessoria técnica muito competente.

Contradições à parte, Brasília é mais razoável assim, meio despovoada. Especialmente quando a cidade está toda azul… maravilhoso…

Há quem pergunte se um lugar movido a funcionalismo público, sem indústria ou agricultura, financiado por um fundo constitucional anacrônico, é sustentável. Bem, eu gostaria de dar uma resposta muito franca: qual foi mesmo a pergunta?

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Com mãe, com pai

Flores na mamãe“Como se pode?”, perguntava minha mãe diante da notícia de um crime horrível qualquer. Apesar dos mais de 40 anos vividos no Brasil, nunca dominou totalmente a língua, ainda que raramente lhe faltassem palavras. Nos últimos tempos, gostava de dizer que ia “falar com o Lula”, e quem a conhecia não tinha razão para duvidar de que, dada a oportunidade, cumpriria a ameaça. Era comum flagrá-la em conversas descontraídas com vizinhos, vendedores, funcionários públicos e desconhecidos em geral. Não que sua vida fosse fácil. Com meu pai, criou dois filhos, batendo perna, cruzando a cidade em ônibus e descobrindo os meandros dos serviços públicos. Era, para facilitar a compreensão, a Dona Helena. Suou muito e em bom português. A missão a cumprir lhe deixou espaço para raras paixões: novelas, comida, uma Coca-Cola “gelatina”. Da maior, porém, só me dei conta há pouco. Era apaixonada pelas conquistas dos filhos, que, às vezes, comemorava até às escondidas. As privações e os exageros transformaram-na num milagre da medicina. Driblou câncer, diabetes, hipertensão, reumatismo e uma coleção de outras doenças, sem sombra de regime ou exercício. Uma teimosa de carteirinha. Aos 69 anos, ainda queria cuidar dos filhos, das irmãs e, eventualmente, dos sobrinhos. E, ao seu modo, cuidava. Reunia a família para partidas ocasionais de ma jiang e, nessas horas, era gostoso vê-la sorrir com as piadas e as provocações à mesa improvisada. No fundo, não se importava em perder ou ganhar, pois, para ela, sua vitória já estava ali. Ser parte dessa vitória é meu consolo, mas confesso, com atraso incontornável, que queria mais. Mais partidas de ma jiang, mais piadas, mais sorrisos. E a chance de dizer, com um abraço apertado, que, sim, você merece.

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Hoje eu poderia dizer, com doses iguais de rigor factual e mau gosto, que estou sem pai, nem mãe. A verdade, porém, é que, se posso ter uma certeza diante da força opressiva da morte, é a de que vou levá-los sempre no coração.

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