Archive for maio, 2007

Vigilância seletiva

Travessuras aéreasUma surumbamba. É esse o quadro no Aeroporto Internacional* de Brasília Juscelino Kubitschek nas manhãs de segunda-feira, quando retornam à capital políticos, empresários, funcionários públicos e desterrados em geral. As duas pistas da área de desembarque ficam atulhadas de carros, no cumprimento da obrigação profissional, funcional ou mesmo matrimonial de resgatar a gente que, meio a contragosto, desce de aviões provenientes de toda parte. Há também lugar cativo para um trailer da Polícia Militar do Distrito Federal, e a atuação dos bravos agentes da lei não poderia ser mais emblemática. Enquanto os carros oficiais, que vêm recolher deputados, senadores, ministros e outras autoridades, permanecem colados ao meio-fio, os PMs apenas flanam de lá para cá. Logo que os figurões partem, contudo, surgem ilusivos talões de multa, acompanhados de uma sofreguidão de fazer sentir a mão firme da lei. Por uns 15 minutos.

* O aeroporto, há seis anos, é internacional só por força do hábito. A situação deve mudar no dia 19 de julho, com o início dos vôos entre Brasília e Lisboa, operados pela TAP.

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Ô cride, fala pra mãe!

Da época do Iê-IêEu não tenho TV. Vou repetir: eu não tenho TV. Uma amiga costuma dizer que é por isso que, às vezes, demoro a sair do trabalho. “Você não quer chegar em casa. Você não tem TV!”, explica, num raciocínio tortuoso e equivocado. A verdade verdadeira é que, nestes quase quatro meses, raramente senti falta da máquina de fazer doidos. No tempo que passaria diante da TV, ouço CDs de que nem lembrava mais, traduzo outra obra-prima de Reed ArvinScott Westerfeld, deleito-me com o choro dos adoráveis gêmeos dos vizinhos e, quando a disposição permite, caminho pelas ruas desertas do Sudoeste Econômico.

E penso. Penso nos últimos acontecimentos da República, no futuro sombrio da humanidade, na filosofia parmenídica. Só não penso mais porque a televisão me deixou burro. Muito burro demais.

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Cidade das letras (e dos números)

Onde você mora mesmo?Outro dia, na casa de uma amiga da namorada do meu cunhado (!), a conversa descambou para a cantilena da orientação em Brasília. A anfitriã, radicada há quatro anos na cidade, garantiu, como soem fazer os neocandangos, ser muito simples encontrar os endereços na capital. A explicação, de uma lógica dolorosa, carrega também um tom quase infantil: basta saber que o dois vem depois do três, o três depois do quatro… O mesmo vale para as letras. Escolado no tema, não insisti na tese contrária, mas a verdade é que não sei viver sem a companhia de ilustres desconhecidos, como o Professor Gabizo, o Engenheiro Adel e o Barão de Itapagipe. E na quinta-feira, quando terei de comparecer a uma concessionária na SIA Sul, trecho 03, lote 725/895, até que cairia bem uma referência mais precisa, como “ali, quase na esquina do Bradesco” ou “um ou dois quarteirões depois do hortifruti”.

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Programa de Índia

Hadji SinghAcordar às seis da manhã. Sair às seis e meia a bordo de uma van. Visitar uma fazenda usando terno. Atravessar a Esplanada para tirar fotos. Voltar para casa às nove da noite. É nisso que meu dia se transforma quando jornalistas indianos vêm ao país, a convite, para conhecer melhor nossa realidade. É verdade que aproveitei a oportunidade para aplacar parte da minha colossal ignorância sobre a Índia. Não, nem todo indiano é vegetariano. Sim, eles, e principalmente elas, não gostam de serem tocados. E, claro, Taj Mahal e Taj Palace são dois hotéis diferentes em Nova Délhi. Por falar nisso…

Essa é a história de uma linda história de amor
Que me contaram e agora eu vou contar
Do amor do príncipe Xá-Jehan, pela princesa Nunts Mahal
Do amor do príncipe Xá-Jehan, pela princesa Nunts Mahal

Tê tê teteretete…

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C·O·N·F·Ú·C·I·O···R·E·S·P·O·N·D·E

No auge da crise do basquete brasileiro, como explicar a presença de 25 mil pessoas no ginásio para ver o time local? Não tem cinema nessa cidade? (Roa, Rio)

O editor do Rebote refere-se às 24.286 pessoas que conferiram a vitória do Universo/BRB sobre o Flamengo (101×78), no último dia 1º, no Nilson Nelson. O público recorde diz muito sobre o nível das atrações costumeiras de Brasília. Neste mesmo Dia do Trabalho, por exemplo, a partida de basquete disputava as atenções com um show organizado pela CUT, que tinha como destaque o grupo Cidade Negra. Entre as outras atrações, Besouro do Rabo Branco e Detrito Federal. E, sim, em Brasília há muitos cinemas, que, aliás, merecem um capítulo à parte.

O show [de Chico Buarque] também tem financiamento via Lei Rouanet? (Trovão, Rio)

Aparentemente, não. Também, com aquele charme todo, quem precisa de incentivo?

Você, fiel leitor das Dores Capitais, pode apresentar suas mais inquietantes dúvidas sobre este lugar sui generis. Prometo buscar esclarecimentos para todas as perguntas e, caso isso não seja viável, mentir da forma mais convincente possível. As respostas serão publicadas toda terça-feira ou sempre que meu atoísmo permitir.

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Habemus Chico

Deus lhe pagueEm Brasília, não se fala em outra coisa: Chico Buarque apresenta-se hoje e amanhã no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. É fácil entender a fascinação do brasiliense pelo craque do Polytheama. Não bastasse ser compositor consagrado, cantor tolerado e homem cobiçado, Chico é carioca. Por isso, nem o preço obsceno de R$ 200 impediu que os ingressos fossem vendidos rapidamente, com direito a confusão e a bate-boca nos pontos de venda.

Por amor à vida, não vou dizer que Chico é chato, nem que canta pessimamente mal. Portanto, a quem quiser saber por que não vou ao show, respondo com as singelas palavras de uma amiga: ainda não o perdoei por ter largado a Dona Nenê.

p.s.: A lei da compensação não falha. Quem perder o show do Chico poderá se deleitar com o deputado Frank Aguiar, na Esplanada, domingoquinta.

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Xiè xiè!

Aproveito a falta momentânea de assunto tempo para agradecer pelos comentários da minha querida Jan; dos grandes amigos Trovão, André e Michelle; dos companheiros de sofrimento Osama e Zak; do bêbado Claudio Santana; e da funarteana Helena, bem como pelas três outras visitas, provavelmente acidentais, a estas Dores Capitais. É por vocês – e pela minha sanidade – que escrevo tanta besteira.

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No peito dos desafinados

Tremei, Francisco ManuelA regra é clara, Galvão: o desrespeito ao Hino Nacional é considerado “contravenção, sujeito o infrator à pena de multa de uma a quatro vezes o maior valor de referência vigente no País, elevada ao dobro nos casos de reincidência”. O indivíduo que bradava diante do Congresso, do alto de um carro de som, na última quarta-feira, não parecia se importar muito com a Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971. A cada “salve, salve”, um arrepio subia pela espinha das desafortunadas testemunhas do protesto, mais um dos que acontecem quase diariamente no local. Manifestar-se, tudo bem; transformar o hino em instrumento de tortura medieval, porém, beira o licencioso. Está na hora de a justiça deitar a clava forte nessa gente.

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C·O·N·F·Ú·C·I·O···R·E·S·P·O·N·D·E

O que levou o Itamaraty a designar para a Ordem de Rio Branco o Zeca Pagodinho? (Jan, Rio de Janeiro)

Pergunta fácil a da charmosa missivista carioca. O grande poeta de Xerém, co-autor de imortais versos como “vou sujar seu nome no SPC”, obviamente apresentou histórico de “serviços meritórios e virtudes cívicas” e estímulo à “prática de ações e feitos dignos de honrosa menção”, como prevê o Decreto nº 51.697, de 5 de fevereiro de 1963, que instituiu a comenda. Mais detalhes aqui.

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Terceiro, por favor

AceleradorÀs vezes, é desalentador chegar em casa, depois de um árduo dia de trabalho, e encarar os três lances de escada até meu apertamento. Não tanto pelo exercício, complemento bem-vindo à Dieta da China®, mas pela privação de pequenos momentos fundamentais a qualquer ser humano que deseje permanecer são. Onde, se não no elevador, abrir a conta de luz recém-recolhida da caixa de correio? Onde dar a primeira folheada na CartaCapital da semana? Onde lembrar das sacolas de compra esquecidas no carro? Na escada, por razões mais ou menos óbvias, nada disso é possível. E a pior parte: não se pode apertar o botão mil vezes para que os degraus subam mais rápido.

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Cidade das letras (II)

Em brasilianês, SHN ou SHSCom três semanas de atraso, o Correio Braziliense aderiu à campanha “Decifra-me ou te devoro”, publicando neste domingo matéria sobre os endereços de Brasília*. O texto explica que “a organização da cidade tal e qual se conhece hoje era prevista desde o relatório de construção do Plano Piloto, feito por Lucio Costa. Mas a proposta inicial de endereçamento foi alterada com o tempo”. Segundo o urbanista Frederico Flósculo, apenas três setores eram descritos no documento do urbanista: o Setor Hoteleiro, o Setor Bancário e o Setor Comercial. Hoje são 78.

Da lista de endereços que acompanha a matéria, destaque para os setores de Múltiplas Atividades Norte e Sul (SMAN e SMAS), de Postos e Móteis Norte e Sul (SPMA e SPMS) e o ambíguo Setor Terminal Norte (STN).

* O acesso às matérias do Correio é restrito a assinantes e, mesmo para estes, uma missão quase impossível.

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C·O·N·F·Ú·C·I·O···R·E·S·P·O·N·D·E

Como os brasilienses decoram endereços? É preciso esconder a carteira ao caminhar pela Esplanada? Chove mais na capital federal ou em Ribeirão Preto? Brasília é uma ilha?

A partir de hoje, você, fiel leitor das Dores Capitais, pode apresentar suas mais inquietantes dúvidas sobre este lugar sui generis. Prometo buscar esclarecimentos para todas as perguntas e, caso isso não seja viável, mentir da forma mais convincente possível. As respostas serão publicadas toda terça-feira ou sempre que meu atoísmo permitir.

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Gastronomia pública

Afiem os talheresVamos lá: comer na Esplanada é barato. Como se sabe, ou não, os restaurantes dos ministérios e demais órgãos públicos são subsidiados, o que resulta em refeições que raramente passam de R$ 7 ou R$ 8 (com sobremesa). A qualidade, porém, sujeita-se a variações abismais. Ainda não tive tempo ou disposição para explorar toda a ampla gama de opções, mas, em nome da utilidade pública, resolvi dar uma ajuda aos incautos em busca de uma refeição econômica em Brasília. Sem mais delongas, com vocês, o pequeno Guia Michialin:

6º lugar – MRE (Garajão) – *
A Casa de Rio Branco merecia melhor sorte. A comida, até honesta, é daquele tipo que preenche o estômago por toda a tarde. Destaque para o “churrasco”, uma mixórdia de carnes de origem desconhecida, com lingüiça e coração de galinha. Sobremesa e refresco inclusos compensam o preço alto em relação à concorrência (R$ 1213,67, o quilo).

5º lugar – Câmara-Anexo 3 – *
Por R$ 9,909,30, o quilo, é a opção mais barata, o que talvez explique a simplicidade da gastronomia oferecida. Isso não impede, porém, aparições bissextas de pratos extravagantes, como a bisteca ao molho de maçã. Uma versão alternativa, no subsolo, acrescenta saladas especiais e risoto ao cardápio. Sobremesas e sucos à parte.

4º lugar – STF – **
O bandejão, decepcionante, costuma ser coroado com um bife recomendado apenas a possuidores de dentições vigorosas. A pièce de résistance é a opção de pratos de massa ao estilo Spoletto. A refeição (R$ 12,50, o quilo) inclui uma sobremesa simples, mas não o refresco.

3º lugar – Câmara-Anexo 4 (Naturetto) – **
Refúgio dos lactovegetarianos, é também uma das opções mais caras, passando dos R$ 20a R$ 21, o quilo, com sobremesas e bebidas à parte. Deve-se ressaltar que os carnívoros não ficam desamparados: há sempre frango e peixe no menu. Os naturebas, contudo, garantem que imperdível mesmo é o picadinho de glúten.

2º lugar – TCU – **
Os pratos são simples, a variedade, limitada, mas a comida é razoavelmente saborosa. O ambiente, arejado e agradável, compensa a caminhada até os domínios do Tribunal de Contas. A sobremesa, cobrada à parte, vale os poucos reais e as muitas calorias adicionais. R$ 12,9010,60.

1º lugar – PGR – ***
A segregação denuncia a qualidade: o restaurante da PGR só abre para os mortais às 13h. Além disso, é o mais distante e não aceita cartões, e nem assim fica vazio. Por módicos R$ 11, o quilo, come-se bem, com variedade e sabor. Quinta-feira é dia de comida (nem tão) típica: árabe, mineira, mexicana, chinesa. As sobremesas pagas – há sempre um doce em compota ou fruta grátis – exigem firmeza de caráter.

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Uma saudade do cão

Fanático por bolaDa janela da cozinha, tenho uma vista privilegiada do parcão do Sudoeste Econômico, uma ampla área verde, cercada, em que os moradores podem, literalmente, soltar os cachorros. Assistir àquele desfile de cães, toda manhã, é um prazer e um suplício. Prazer porque, como dizia um matusalênico filósofo chinês, quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cachorros. Suplício porque sempre me lembro do meu querido – e agora distante – golden retriever prognata.

Aos sete anos do extraordinário Billy, que, salvo lapso de memória, serão completados por estes dias, dedico essa canção:

Vida de cachorro
(Rita Lee/Arnaldo Baptista/Sérgio Baptista)

Vamos embora companheiro, vamos
Eles estão por fora do que eu sinto por você
Me dê sua pata peluda, vamos passear
Sentir o cheiro da rua
Me lamba o rosto, meu querido, lamba
E diga que também você me ama
Eu quero ver seu rabo abanando
Vamos ficar sem coleira
Vamos ter cinco lindos cachorrinhos
Até que a morte nos separe, meu amor

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